quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Mini-jogos e “preparação física” do jogador de futebol: alguns problemas


O treino a partir de mini-jogos só contribui para a preparação desportiva se vinculado ao modelo de jogo da equipe
Hoje, vou escrever apresentando dados coletados por mim, faz algum tempo, com objetivo de discutir algo que parece óbvio, mas que, em conversa recente com alguns colegas treinadores, realmente não é!


Atualmente, existe uma tendência na preparação desportiva do jogador de futebol, que é a “preparação física” a partir de jogos em espaços reduzidos e com regras adaptadas.


Há muito também, se ouve falar (com “ar de crítica”), da boca de alguns de nossos treinadores que se aventuraram fora do Brasil que, na Europa, por exemplo, o trabalho com os tais “mini-jogos” é o que predomina no desenvolvimento “físico” do atleta.


Pois bem. Algumas vezes, nesse mesmo espaço, defendi a preparação do jogador de futebol subordinada ao jogo, mas isso não quer dizer simplesmente treinar o “jogo pelo jogo”.


Treinar o jogo pelo jogo significa introduzir os tais “mini-jogos” nas sessões de treinamento sem preocupação com uma organização lógica de cargas, desenvolvimento da maneira de jogar, ou processo pedagógico.


Quando o “mini-jogo” aparece nos treinos como parte desconexa de um modelo de jogo, ou seja, sem ter preocupações com o desenvolvimento da identidade da equipe e sem ter objetivo de fortalecer o jogo que se quer jogar, ele, o “mini-jogo”, se afasta totalmente da ideia que defendo há tanto tempo.


Para que haja sentido, um trabalho que se utilize de jogos diversos, em espaços variados e com regras adaptadas, é necessário realmente que a preparação esteja subordinada, de fato, ao jogo, e isso quer dizer, em outras palavras, à construção de um jogar, de um saber fazer, individual e coletivo.


Para esclarecer o que estou dizendo, apresento na sequência alguns dados interessantes:
MOMENTO 1
pós 20 sessões de treinosExemplo de variação de uma das variáveis do modelo de jogo (scout de modelo de jogo de seis jogos)Exemplo de avaliação de uma das variáveis dos "testes tradicionais"
Variação média no tempo de recuperação de posse de bola nas transições defensivasVariação média no índice de fadiga no teste de resistência anaeróbia de sprints
GRUPO 1Melhora de 20%Melhora de 6%
GRUPO 2Melhora de 3%Melhora de 6%


No quadro do momento 1, temos um grupo de jogadores de futebol de base dividido em dois outros grupos submetidos a 20 sessões de treinos, a partir de jogos. Nesse momento (momento 1), o grupo 1 foi aquele submetido a treinos subordinados ao jogo, com objetivo planejado de construção de um modelo de jogo. O grupo 2, no momento 1, também foi submetido aos mesmos exercícios (jogos) do grupo 1, mas sem respeitar uma sequência pedagógica condizente com o objetivo de construção de um modelo de jogo (ou seja, treinou por meio do “jogo pelo jogo”).


Notemos que ambos melhoraram igualmente no teste de resistência de sprints, mas foram especialmente diferentes na evolução do tempo de recuperação da posse da bola nas transições defensivas. O grupo 1, treinado de acordo com um processo definido para construção do modelo de jogo teve melhora muito superior ao grupo 2.


Na sequência, temos o momento 2, quando os trabalhos foram invertidos. O grupo 1 passou a treinar “o jogo pelo jogo’ e o grupo dois objetivando a construção de um modelo de jogo.
MOMENTO 2
pós 20 sessões de treinosExemplo de avaliação de uma das variáveis do modelo de jogo (scout de modelo de jogo de seis jogos)Exemplo de avaliação de uma das variáveis dos "testes tradicionais"
Variação média no tempo de recuperação de bola nas transições defensivasVariação média no índice de fadiga no teste de resistência anaeróbia de sprints
GRUPO 1Decréscimo de 2%Melhora de 3%
GRUPO 2Melhora de 30%Melhora de 2%


Após 20 sessões de treinos, mais uma vez o grupo submetido aos treinos concebidos processualmente (grupo 2) teve evolução, eu diria, absurdamente superior a do grupo submetido aos treinos a partir de jogos descontextualizados do processo.


Mais uma vez também, a evolução nos testes de resistência de sprints foi semelhante.


No momento 3, tanto grupo 1, quanto grupo 2 foram submetidos a treinos subordinados ao jogo, contextualizados, e com objetivo de melhorar o jogo que se desejava jogar.
MOMENTO 3
pós 20 sessões de treinosExemplo de avaliação de uma das variáveis do modelo de jogo (scout de modelo de jogo de seis jogos)Exemplo de avaliação de uma das variáveis dos "testes tradicionais"
Variação média no tempo de recuperação de bola nas transições defensivasVariação média no índice de fadiga no teste de resistência anaeróbia de sprints
GRUPO 1Melhora de 15%Melhora de 1%
GRUPO 2Melhora de 13%Melhora de 0%


Os dois grupos evoluíram de maneira parecida, e continuaram a demonstrar boa melhora no tempo de recuperação da posse da bola.


Notemos que, comparando a evolução percentual dos tempos de recuperação da posse da bola, somando os três momentos, que o grupo 1, no momento 3 poderia ter maior potencial para evolução, quando comparado ao grupo 2, mas que os treinos subordinados ao jogo, de certa forma, homogeneizaram os ganhos percentuais no mesmo momento.


O fato é que, é notório, que os treinos a partir de jogos desvinculados de um processo definido de construção de modelo de jogo, não propiciam ganhos satisfatórios na evolução do jogar.


Ressalto, mais uma vez, que os mesmos exercícios foram empregados aos dois grupos. A ordem dos mesmos é que foi diferente. Nos grupos em que os treinos estavam contextualizados com o jogar, respeitou-se uma ordem pedagógica de “sobrecarga” (e entenda-se aqui, sobrecarga, como algo que integra as dimensões tática, física, técnica e psicológica). Nos grupos em que os treinos foram no formato “jogo descontextualizado”, os exercícios (os jogos) foram alocados nos treinos e semanas de trabalho, em ordem aleatória.


Não tenho objetivo, aqui nesse espaço, de descrever minuciosamente aspectos referentes à metodologia para coleta de dados ou análises estatísticas. Isso é coisa para outro fórum de discussões – e já foi, outrora, bem discutido.


Espero, porém, ter contribuído para avançarmos com algumas ideias e esclarecer certas dúvidas.


Acho que é isso...


Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br