segunda-feira, 14 de julho de 2008

Relação entre variáveis antropométricas e performance em testes de potencia aeróbia e capacidade anaeróbia em jogadores de futebol

Juliano Fernandes da Silva1
Leandro Teixeira Floriano3
Alexandre Souza4
Luiz Guilherme Antonacci Guglielmo2

1Mestrando, 2Professor Doutor, 3Graduado, Centro de Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina, Laboratório de Esforço Físico - LAEF, Florianópolis, SC, 88040-900.
4 Pós graduando, Universidade Gama Filho.


Introdução

O futebol trata-se indiscutivelmente do esporte que é mais praticado e admirado em todo o mundo. Isto fica evidenciado nos dados da última copa do mundo, onde 736 atletas de 32 países participaram da fase final da copa do mundo realizada na Alemanha (2006), ressaltando-se que inicialmente estes países já tinham participado de torneios classificatórios em seus respectivos continentes. Além disso, foi estimado que aproximadamente 1,5 bilhões de expectadores assistiram à partida final (DVORAK, 2007).
Estes dados indicam que o futebol deixou de ser apenas uma modalidade esportiva para representar um grande investimento financeiro, onde jogadores adquiriram status de mercadorias de alto valor. Assim, a otimização do rendimento destes indivíduos tem sido debate na literatura, buscando aplicações de cargas treinamentos, que ao mesmo tempo não sejam fracas ao ponto de serem ineficientes, assim como, evitar treinamentos estressantes que possam provocar efeitos deletérios à saúde e ao desempenho do atleta (BENEKE, 2003).
Para o controle das cargas de treinamento durante a temporada pesquisadores e preparadores físicos se utilizam de avaliações para discriminar o perfil fisiológico de seus atletas, assim como, observar os efeitos provocados pelo treinamento aplicado (SVENSSON; DRUST, 2005).
O processo de avaliação é definido primariamente em relação às valências que são requisitadas no esporte, em segundo lugar é importante definir o teste adequado para cada valência. Esta adequação se refere à validade, reprodutibilidade e especificidade do teste (KRUSTRUP et al., 2003). Está bem descrito na literatura que as principais valências requisitadas ao atleta de futebol são potência aeróbia e anaeróbia, força, capacidade aeróbia e anaeróbia, flexibilidade (EKBLON, 1986; TUMILTY, 1993; REILLY, 1997).
Outra característica inerente ao controle de treinamento no futebol tem sido a caracterização antropométrica dos atletas, principalmente no que se refere a composição corporal (gordura, massa muscular, massa óssea, massa residual). Tendo em vista que trata-se de uma modalidade que exige constantes acelerações, saltos verticais, além de uma elevada distancia percorrida durante a partida (10 a 13km em média) qualquer peso adicional (massa gorda) pode vir a representar um prejuízo no rendimento. Sobre os valores de referencia para %G em jogadores de futebol têm-se encontrado geralmente valores entre 8 e 12% (NUNES, 2004 no entanto, apesar de ser requisitado estes valores de referencia não se têm encontrado associações entre valores de %G e diferentes níveis competitivos em jogadores profissionais (SCHWINGEL et al.,1997 ).
Sobre a potência aeróbia o principal indicador utilizado, tem sido o consumo máximo de oxigênio (VO2max), pois este índice está bem relacionado com o total de trabalho realizado em modalidades aeróbias como futebol (HOFF, 2002). Contudo, a mensuração deste índice de forma direta necessita de aparelhos sofisticados, avaliadores especializados, e elevado dispêndio de tempo. Devido ao pouco tempo que os clubes possuem para a realização das avaliações, assim como o alto custo dos testes laboratoriais é crescente o número de testes de campo utilizados para avaliar atletas de futebol.
Em testes de campo a variável indicadora de potência aeróbia utilizada tem sido o pico de velocidade (PV), o qual representa a velocidade do último estágio, com ou sem correções (BERTHOIN, 1996; DE-OLIVEIRA, 2004). Os testes de campo além de serem mais baratos e de fácil aplicação, apresentam maiores níveis de especificidade, algo que não são encontradas em situações laboratoriais quando se trata de jogadores de futebol.
No futebol, apesar da predominância aeróbia, é importante ressaltar a capacidade de realizar sprints repetidos (CSR), com acentuada solicitação da capacidade e potência anaeróbia (WRAGG, 2000; ABRANTES, 2004). Este tipo de exercício representa apenas 10% da distância percorrida durante uma partida de futebol, contudo está relacionado aos momentos decisivos de um jogo (BANGSBO et al., 1991), sendo fundamental a avaliação destes indicadores.
É importante ressaltar, que a maioria dos estudos com atletas de futebol geralmente apresentam dados envolvendo a categoria profissional (BANGSBO et al.,1991; EKBLON, 1986), sendo menores o número de estudos envolvendo atletas em formação. Sobre a caracterização fisiológica e antropométrica tem se observado que estas geralmente são descritas de forma isolada, necessitando a realização de estudos compreendendo a relação entre estas. Assim, o presente estudo teve como objetivo investigar a relação entre índices fisiológicos, determinados em testes de campo e variáveis antropométricas em jogadores de futebol da categoria sub-20.

Materiais e métodos

Participaram deste estudo 29 atletas de futebol pertencentes à categoria sub-20 de duas equipes profissionais de nível nacional.
Inicialmente o grupo foi submetido a uma avaliação antropométrica (massa corporal, estatura e dobras cutâneas), em seguida foi realizado teste TCAR (CARMINATTI et al., 2004) para a determinação do pico de velocidade. Em outra data foi realizado o teste de sprints repetidos Bangsbo (1994) para determinação da velocidade média (Vmed), máxima (Vmáx) e o déficit de velocidade (DefVel). Todas as avaliações foram realizadas em duas semanas respeitando um prazo de no mínimo 48 horas em elas. Na primeira semana foi realizada de uma equipe (n=14) e na semana seguinte da segunda equipe (n=15).
Todos os procedimentos utilizados neste estudo foram aprovados previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH-UFSC) e a inclusão dos voluntários na amostra se deu com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (protocolo 384/08). A seguir estão descritos os protocolos utilizados nas três avaliações.

Avaliação antropométrica

A avaliação antropométrica, abrangeu as seguintes variáveis: massa corporal (TOLEDO, Brasil), estatura (SANNY, EUA), e dobras cutâneas para a estimativa do %G. Foi utilizado o protocolo de Faulkner (1968) para determinação do %G, sendo aferidas as seguintes dobras cutâneas: supra-ilíaca, abdômen, tríceps, subescapular (CESCORF, Brasil). Após consulta na literatura observou-se que não existe um protocolo validado para estimativa do %G a partir da mensuração de dobras cutâneas com atletas de futebol com idade entre 16 e 20 anos, adotou-se um protocolo de acordo com outras pesquisas na área grupos semelhantes ao do nosso estudo (CAMPEIZ et al., 2004).

Teste TCAR

Na segunda avaliação os sujeitos foram submetidos a um teste progressivo intermitente com pausas - TCAR (CARMINATTI et al., 2004) aplicado em um campo de grama, para a determinação do pico de velocidade (PV), freqüência cardíaca máxima (FCmáx).

O TCAR é caracterizado por ser do tipo intermitente escalonado, com multi estágios de 90 segundos de duração, em sistema “ida-e-volta”, constituído de 5 repetições de 12 segundos de corrida (distância variável), intercaladas por 6 segundos de caminhada (± 5 metros). O ritmo é ditado por um sinal sonoro (bip), em intervalos regulares de 6 segundos, que determinam a velocidade de corrida a ser desenvolvida nos deslocamentos entre as linhas paralelas demarcadas no solo e também sinalizadas por cones. O teste inicia com velocidade de 9,0km·h-1 (distância inicial de 15m) com incrementos de 0,6km·h-1 a cada estágio até a exaustão voluntária, mediante aumentos sucessivos de 1m a partir da distância inicial, conforme esquema ilustrativo apresentado na figura 1 (CARMINATTI et al., 2004a).
Para realizar o TCAR, além de fichas para controle do teste, foi utilizado um aparelho de som (PANASONIC®), uma caixa de som amplificada capaz de gerar o áudio do protocolo do TCAR (CARMINATTI et al., 2004a), fita métrica de 50 metros, seis cones e duas cordas brancas com 10 metros de comprimento (demarcar linhas de referência das distâncias de cada estágio).

Teste de Sprints repelidos de Bangsbo

A última avaliação realizada foi o teste de CSR que consiste em sete sprints máximos de 34,2m. Cada sprint é realizado com mudança de direção, havendo um período de recuperação de 25s, onde o atleta deve se posicionar para uma nova largada conforme figura 2 (BANGSBO, 1994). O tempo de cada sprint foi mensurado através do sistema de fotocélulas (CEFISE® – Speed Test 6.0). Este mesmo equipamento controlou automaticamente as pausas de 25s entre os sprints, através da emissão de sinal sonoro. Também foram utilizados sete cones para demarcar o percurso do teste.
Neste teste foram mensuradas as seguintes variáveis: Vmed, Vmáx, Vmim e o DefVel, o qual foi obtido utilizando a seguinte relação:
DefVel = (Vmáx –Vmin).
Fotocélulas elétricas Sprints Trote de recuperação Cones
Figura 2 - Esquema ilustrativo do teste anaeróbio.

Tratamento estatístico.

Utilizou-se a estatística descritiva para a análise e tratamento dos dados, e a apresentação dos valores foi em média e desvio padrão. Em seguida foi aplicado o teste de normalidade de Shapiro-Wilk (n<50) para verificar a distribuição dos dados, e se os mesmos apresentavam distribuição normal. Para verificar se haviam associações entre as variáveis antropométricas (MC, EST) e fisiológicas (PV, Vmax, Vmed) foi realizada a correlação linear de Pearson. Na relação entre as variáveis antropométricas e DefVel utilizou-se correlação de Spearman. Em todos os testes estatísticos foi adotado o nível de significância de 5% (programa SPSS® v. 13.0).


Discussão

Na busca pelo alto rendimento é imprescindível o conhecimento das variáveis fisiológicas e antropométricas dos atletas, além disso é interessante verificar se existe relação entre estas. Neste sentido o presente estudo teve como objetivo principal verificar a relação entre MC, %G com indicadores fisiológicos aeróbio (PV) e anaeróbios (Vmed, Vmáx e DefVel).
Sobre as variáveis antropométricas o grupo apresentou valores médios de estatura semelhantes aos descritos na literatura com jogadores de futebol desta faixa etária e nível competitivo (CAMPEIZ, 2004; MOURA et al, 2003; FLORIANO et al., 2007). É importante ressaltar que se tem encontrado uma grande variabilidade nos valores de estatura de jogadores de futebol, desta forma não parece ser uma variável determinante de performance, que nos levou a não investigar a sua relação com os índices fisiológicos.
Em relação MC, os dados encontrados em nosso estudo também são semelhantes aos descritos na literatura brasileira (CAMPEIZ, 2004; MOURA et al, 2003; FLORIANO et al, 2007). Os nossos resultados vêm confirmar que o valor bruto de MC não pode ser interpretado como uma variável determinante no desempenho no futebol, considerando que não foram encontradas correlações com PV (r=-0,02), Vmed (r=0,01), Vmáx (r=0,09) e DefVel (r=0,23). Esses dados corroboram com os achados de Schwingel, Petroski, Velho (1997), os quais afirmaram que a diferença no desempenho das equipes não está relacionada diretamente às características antropométricas dos futebolistas.
Por outro lado, os clubes tem procurado padronizar uma faixa recomendável de %G, entre 8 e 12%, acreditando que valores acima podem prejudicar a performance, pautado na ação do tecido adiposo como peso morto é prejudicial em atividades onde a massa corporal é erguida repetidamente contra a gravidade em corridas e saltos durante o jogo. Além disso, valores abaixo deste intervalo podem trazer resultados deletérios à saúde, principalmente quando se trata de indivíduos mais jovens.
Os resultados de %G encontrados em nosso estudo corroboram com os demais achados da literatura (CAMPEIZ, 2003; DENADAI et al, 2005; CASTAGNA et al, 2006, CARMINATTI et al, 2004) que demonstram uma oscilação entre 7 e 14% . Contudo temos que ratificar que esta comparação fica limitada devido a utilização de diferentes protocolos nos referidos estudos. Os valores de %G apresentaram correlação negativa (p<0,05) com os índices fisiológicos PV (r=-0,39), Vmed (-0,52) e Vmáx (-0,48). O valor mais alto de correlação foi entre o %G e a Vmed, o que demonstra um possível efeito negativo da massa gorda na performance de CSR. Isso pode ocorrer, pois um menor valor relativo de massa muscular estaria associado a possíveis prejuízos a potencia e CSR.
Os dados de PV encontrados são semelhantes aos encontrados por Carminatti et al., (2004) com jogadores juvenis (16,0 ± 0,8 Km.h-1) e juniores (16,7 ± 0,8 Km.h-1), e por Arins et al., (2008) com jogadores de futsal da categoria sub-20 (16,4 ± 0,6 Km.h-1). O PV representa um indicador de potência aeróbia, e por ser obtido em condições específicas de campo permite a sua utilização para os controles das cargas de treinamento.
Com relação ao teste de CSR encontramos valores de Vmed superiores aos descritos por Bangsbo (1994) com futebolistas dinamarqueses (4,82m.s-1) e os de Silva Neto (2006) com atletas brasileiros (4,90 m.s-1), já a Vmáx também foi mais alta que os de Bangsbo (1994) (5,08 m.s-1) e Silva Neto (2006) (5,05 m.s-1). Nosso Defvel foi semelhante ao de Silva Neto (2006) e inferior aos de Bangsbo (1994), mostrando que os participantes deste estudo apresentaram maior capacidade para recuperar rapidamente de exercícios repetidos em relação aos futebolistas do estudo dinamarquês.

Conclusões

Com base nos resultados obtidos, observou-se que não foram encontradas correlações entre a MC e as variáveis fisiológicas (PV, Vmax, Vmed, DefVel). Por outro lado, foi encontrada correlação significativa do %G com PV, Vmax, e Vmed. Apesar de ser uma correlação moderada pode-se inferir que o %G apresenta influência no desempenho do teste de CSR. Além disso, é importante considerar que a homogeneidade da amostra pode ter contribuído para os menores valores de correlação. Deste modo, podemos concluir que valores elevados de %G prejudicam a performance de CSR de jogadores de futebol.
Por último, recomendamos que novos estudos sejam realizados com uma amostra maior e mais heterogênea para generalização destes resultados.


Referências Bibliográficas

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